Amanhã será comemorado o dia de
São José, padroeiro de Ceará, marceneiro, artesão, gentil e silencioso
personagem das narrativas bíblicas. Homem ímpio, temeroso a Deus e resiliente...
São José que protegeu e guiou enquanto pôde sua família, ensinou um ofício ao
filho que adotou e jamais, que se saiba, duvidou de sua missão enquanto pai.
Amanhã em meio à uma saga
internacional contra um vírus que se deu um nome e um número, provavelmente
iremos esquecer de refletir sobre o artesão. São José é o patrono do ofício de
todos nós que trabalhamos com nossas mãos transformando coisas, criando soluções
e objetos. As mãos calejadas da velha ou da avó que acalentam os males de uma
criança, são as mesmas que transformam a palha em cesto, a juta em tecida, o
algodão em fio. O saber milenar que carregam as memórias de um tecelão é como a
magia de um alquimista que extrai da casca cor e luz, o dom da criação de um
ceramista que faz do barro forma.
A Maria do Barro me disse muitas
vezes que tínhamos que ensinar a fazer a panela para que as enchessem ... fui
ler em um conto Zen Budista este princípio tão óbvio, tão simples, tão difícil
de se realizar. As mãos da Maria eram as mãos de quem viveu cada dia como
único, seu toque sobre o barro o transformava ... quantas vezes não começamos
nosso trabalho com a forma de um feijão, um ovo, passando para uma panela.
Criávamos e ensinávamos a perceber que da terra vem tudo, essa generosa mãe que
não tem piedade de revelar aos seus filhos o bem e o mal. Mais de trinta anos
se passaram e nunca mais falei sobre a Maria...ela era Cearense e foi a
primeira artesã a ser agraciada como Mestre Popular pela UNESCO... essa memória
se perdeu.
O Ceará é um Estado estranho,
andamos centenas de quilômetros e mal vemos uma plantação, percorremos o sertão
e vemos mato branco mas raramente vemos gado, sabemos que há vaqueiros mas esse
são como lendas ou fantasmas na mata seca... andamos pelos povoados e sempre
vemos uma mulher sentada à beira da porta suas mãos não param, sua atenção não
desvia da criança, da estrada ... silenciosamente ora, trabalha, espera.
Tenho um Ceará romantizado dentro
de mim, um lugar onde se luta e sobrevive, onde desapercebidamente as mulheres
vão garantindo o estudo de seus filhos, a orientação da economia doméstica...
um estado que deve tudo a uma população que vive e trabalha na informalidade,
que finge não existir mas que se orgulha do que é.
A beleza de um bordado, uma
bainha aberta, o crochete que enfeita as varandas das redes de dormir, a cadeira
de couro que passa de geração para geração, o labirinto, o gibão, a sandália de
couro, a mala que carrega isso tudo, a esteira onde por fim estendemos o
corpo... tudo isso é parte de uma cultura que se desdobra nas vidas de todos
nós e que ao mesmo tempo se perde em meio aos sons e as palavras da modernidade
e do esquecimento.
Amanhã é dia de São José, dia do
artesão, dia de olharmos para as mãos que transformam a crua realidade em
beleza e bem, é dia de agradecer esse saber proveniente da vida que não se
conhece a razão ou a origem mas tem a ciência inegável do cosmos.
Amanhã se lembrarmos será uma
forma de resistir.
18 de Março de 2020
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