segunda-feira, 28 de junho de 2010

Crônica antiga: Sobre a filatelia


A filatelia como parceria.


As vezes a criatividade se alia aos interesse pessoais e a partir deles passamos a possibilitar uma abertura de visão aos nossos alunos fruto das vivências pessoais e incompartilhaveis por sua própria natureza, assim é a fruição, do mesmo modo a experiência de uma filatelísta.
A primeira vez a que somos apresentados ao mundo filatélico, nem sempre é a viagem à um mundo maravilhoso e desconhecido mas com certeza se ficarmos atentos ali está a semente de uma sensibilidade diferenciada para o mundo. Há quem tenha a ideia triste de que coleccionar selos é coisa de quem não gosta de gente ou de quem não tem nada mais interessante a fazer....infeliz de quem, sem ter provado o sabor deste pequeno e por vezes requintado vício, julgue assim, a desculpa formal é o selo, mas o que se passa a interagir e a compartilhar, ultrapassa em muito os alguns poucos centímetros de papel que objectivamente fazem transportar os sentimentos, experiências e lembranças, transformados em palavras ou expressões gráficas chegar até nós. Um selo é fruto de uma pesquisa e do trabalho árduo de construir uma composição plástica ao mesmo tempo capaz de transmitir de modo instantâneo ideias, ideologias capazes de levar cada um de nós como cidadãos á um estado de consciência solidária ampla e irrestrita....
O selo é um formador de opinião, a sua circulação e demanda, reflectem os níveis de interacção portanto de resposta social á campanhas, políticas públicas e acções de mobilização social. O Selo tem inegavelmente uma função educativa e ideológica, como instrumento dos aparelhos do estado pouco visível, no Brasil, torna-se quase 'invisível' devido á conscientização pública em relação ao seu poder e acção. O Brasil quase que contraditoriamente tem, um dos serviços postais que tem sido referência mundial em vários momentos de nossa história. Este serviço é um termómetro para analisarmos a auto-estima do Brasileiro, sua criatividade e o seu compromisso com a nação.
A utilização do selo dentro do contexto explicito da sala de aula, não é novidade para muito poucos, mas é com certeza uma excelente fonte de informações, na Universidade Estadual Vale do Acaraú , dentro do Centro de Ciências Humanas temos em várias ocasiões apelado para a boa vontade da Secção Filatélica do Estado do Ceará e através do Francisco das Chagas Mendes em Sobral e da Júlia G. Mello em Fortaleza estabelecido uma verdadeira parceria, trabalhando os temas de nossos eventos e encontros de modo transversal utilizando-nos do rico repertório da filatelia nacional.
O professor atento percebe imediatamente que a organização de uma colecção é: trabalhar os princípios básicos da metodologia da pesquisa científica; o exercício do estabelecimento de critérios de escolha do material coleccionáveis; o modo como se problematiza a colecção para que com ela passemos a investigação por fim o acto de organizar a colecção propriamente dita, nada mais é do que a realização das etapas fundamentais de uma pesquisa académica e a 'redacção' final da monografia.
Cada tema por mais incomum que seja, pode ser encontrado magistralmente trabalhado em um pequeno pedaço de papel, a tecnologia sempre se encontra ali manifesta seja como objecto de ilustração seja como novidade a se comemorar ou como parte deste campo vasto e criativo da gravura. Um selo holográfico, com cheiro, personalizado, ou em Brail, selos que têm a função de nos fazer determos e conscientizarmo-nos da existência de um mundo suas justiças, suas injustiças, suas belezas e suas tristes realidades muito distantes do nosso pequeno 'paraíso doméstico'
A edição especial do Jornal Filatélico comprovou que: mesmo distante do litoral, catalisador, nós aqui no sertão sem mar já fomos despertados para uma prática diferente, já usamos dos recursos invisíveis de um selo e com isso nos tornamos vanguarda.

R. Raick

Publicado em Pinhel Falcão Ano XXV – III Série nº 118, 6 de Julho de 2001, Portugal.

Ainda sobre Museus Imaginários


Parece haver uma estranha mania de reunirmos coisas, ao menos é assim com alguns de nós, as vezes achamos que devemos usar uma designação mais "nobre" e nos chamamos de coleccionadores, os "outros"podem nos ver como junkies ou sovinas mas isso depende muito do ponto de vista...
De qualquer modo achei que seria interessante pensar a questão do quadro de "avisos" que muitos de nós temos no quarto, perto da escrivaninha ou no que transformamos as nossas geladeiras ou frigoríficos... acho que Walter Benjamim e G. Simmel teriam pratos cheios par artigos e digressões com este assunto. Em termos estéticos estamos falando de algo que é ao mesmo tempo brega, kitsch, "fofinho", bonitinho, cafona, de mau gosto mas sempre relevante para quem o montou... na realidade poderíamos estar a nos referir a "exposições temporárias" de nossos Museus Imaginários...

sábado, 26 de junho de 2010

Museu Imaginário

Será Escher com seu museu?


A noção de um museu imaginário pode variar, passei um exercício que julguei ser simples, quando vi percebi o equívoco... O que pensei e o que queria parecia ser a óbvio, passei a leitura do livro de Jorge Coli aos alunos, pedi que relessem a parte onde ele cita André Malraux:


"Ele concebeu a ideia de um "museu imaginário", que seria a reunião de obras cujas afinidades não procedem da história, mas de uma subjectividade: um museu de subjectividade analógica. Nesse sentido, Malraux ilustra o ponto extremo a que chegou a ideia de arte "para nós": trata-se de uma selecção, intuitiva, de obras que não possuem relações evidentes entre si, que se encontram separadas no tempo e no espaço." (COLI, Jorge, O que é arte, São Paulo, Brasiliense, 1982, pg 65)



A resposta como resultado foi no dia da apresentação dos "museus imaginários" a recolha de objectos que perfaziam as histórias de vida, na realidade uma oportunidade de revelar valores íntimos indissociáveis das suas biografias... a surpresa foi enorme e fiquei no momento sem "chão": como poderia uma ideia já testada antes desse "tão errada"?
A verdade é que não houve "erro", descobri ao reflectir a cerca do que estava acontecendo a distância imensurável de realidades que se reunião ali naquele grupo, naquele momento, vinte pessoas, muitas nunca tinha tomada constato algum com obras de arte, museus, mais importante do que isso muitas jamais pararam para pensar sobre o que é ou porque estudar os fenómenos artísticos... dúvidas e incertezas me abalaram, nunca tinha imaginado que a arte poderia não atingir/ ser acessível, as minhas vivências me ditavam que todas as pessoas em qualquer lugar são sensíveis e sabem o que é arte... nessa hora as palavras de minha informante, uma pastora na Beira Alta, me veio a memória "Ó menina isto está aí desde os romanos" (ela na realidade se referia a uma construção Românica do século XII) ... A menina se esqueceu de contextualizar, como identificar e valorar se no meio em que nos encontramos não há essa referência?
O "Museu Imaginário" para mim é uma colecção de referências que estão relacionadas a própria história, não necessariamente a minha estória. O exercício proposto aos alunos foi também realizado e apresentado por mim; propus então, a retomada do exercício como parte do encerramento da Disciplina de Estudos de Arte em Ciências Sociais. Como uma releitura por assim dizer, encorpoerei alguns elementos da vivência de meus alunos, a introdução de algumas referências a minha história de vida... foi nesse contexto que encontrei esta fotografia de Escher e comecei a reflectir sobre essa forma de exposição e reunião de objectos e fotos.
Na infância e adolescência no Canada é comum se fazer um "scrap book" que não é se não a reunião de recortes, lembranças, anotações etc. que veio a resultar nessa forma da cultura industrial e de massa: "Scrapbooking" que pouco mais é do que um modo impessoal/industrial/subjectivo de mostrar ou apresentar um momento da história de vida de alguém gerando mais um produto de consumo. (A referência é objectivamente a uma moda de mandar confecçionar álbuns com a introdução de toda a sorte de objectos e autocolantes próprios para esse fim, algo que não é artesanato mas não deixa de o ser, que tem de manualidades mas é em fim um "ready made"- já pronto a consumir.) Ver essa foto me fez recordar uma fotografia pessoal de um quadro de cortiça que tenha em meu escritório, ali tinha fotografias de família, cartões postais, esboços de pinturas, citações ... um pouco como o scrap book que fiz e perdi na mudança entre Canada e Brasil.
O "Museu Imaginário" aprendi, pode tomar diversas formas segundo as concepções e referências de cada um, é certo que o "museu" é a reunião de relíquias ou referências a elas, por museu estamos sempre denotando passado ou raridade mas em nossa imaginação uma coisa permanece semelhante: a sacralização. Isolamos, descontextualizamos, reificamos em um mesmo gesto de classificação objectos e memórias mas não transformamos em arte ou passamos a fruir se não as nossas lembranças como retalhos de uma obra que se vai construindo aos poucos.

sexta-feira, 25 de junho de 2010

Crônicas antigas


A tecnologia nos traz imensos desfios ao mesmo tempo que nos oferece oportunidades. A primeira vez que me descreveram Blogs e fui ver o que era fiquei com a sensação estranha de que estes espaços públicos eram em grande medida espaços de "vouier", a apresentação em froam de diário me deixou surpresa e irritada, passei a me perguntar porque tornar pública desta forma as vidas pessoais, porque a solidão geraria uma necessidade desta ordem? Rodeados de "amigos" se tornava necessário "dizer" para eventualmente receber um feedback!?

Com toda a franqueza não sei se é assim... o que eu vejo entretanto é uma oportunidade de compartilhar por isso enquanto vou me familiarizando com este novo meio resolvi divulagar algumas coisas antigas públicadas no Pinhel Falcão (Jornal da cidade de Pinhel em Portugal com tiragem quinzenal e que na realidade se encontra na sua terceira tiragem desde que foi criado no início do século XX).


O que se segue foi a primeira crônica escrita em Sobral, Ceará, depois de minha chegada.

Naquela época este artigo foi enviado pelo correio...


Para o Pinhel Falcão
Cartas Sobralenses :

Quando cheguei a Pinhel era comum me perguntarem “ a quem pertencia ” isso se devia a uma necessidade imediata da sociedade em encontrar um elo de ligação entre o indivíduo recém chegado e os habitantes locais, isto também atendia a uma segunda questão: conhecer e avaliar as motivações para que o indivíduo ali permanecesse ou não. Isto foi há oito anos, hoje me encontro mais uma vez em posição de ser indagada a cerca de minha origem. O lugar onde vim morar ao contrário de Pinhel, não está intimamente relacionada a minha história pessoal nem tão pouco familiar .
Sobral em pleno Vale do Acaraú, Ceará , Brasil, é também ao pé da Serra, não a da Estrela nem da Marofa mas a da Meruoca. Dentro dos padrões Brasileiros esta é uma cidade pequena, 180 mil habitantes, aqui há todas as infra-estruturas para atender a região apesar de também se encontrarem muitas carências. A Universidade Estadual do Vale do Acaraú (U.V.A.) conta com quase oito mil alunos e setecentos e quarenta professores Mestres e Doutores, distribuídos entre as áreas Tecnológicas , da Saúde , Contábeis e Humanidades. Há três jornais na cidade sendo que dois são diários e um semanário além de uma rádio local mas não são essas as semelhanças com Pinhel.
Outro dia, andando pelas ruas no centro da cidade ( o que corresponde a nossa Rua Direita e ao Mercado) percebi que guardando as devidas proporções , aqui todos se conhecem. As notícias se espalham, não de café em café, mas de praça em praça, há, é claro, um centro propulsor das novidades, o “ Beco do Cotovelo”, uma espécie de nervo central da agitação diária da cidade.
Ao contrário de Pinhel, onde vemos cada vez mais os jovens a fugir de suas ruas, aqui as praças são tomados por grupos alegres de meninas e rapazes a passear ao sabor da brisa nocturna ou a namorarem nos bancos das praças enquanto os mais velhos ficam sentados a conversa a porta de casa.
A história infelizmente nem sempre é lição aprendida, D. Afonso Arraies quis tornar Pinhel em uma imponente cidade, palco para o exercício de seu prestígio e poder, talvez inspirado pelo exemplo de Dom Diogo de Sousa, Bispo de Braga do início do século XVI, seu sonho foi tolhido. Magoado, o Bispo D. Afonso Arraies deixa Pinhel pela Guarda e mais tarde a Corte. Sobral teve também um visionário um século depois, D. José, a cidade abriga a memória viva do fazer deste homem que como alguns de nossos religiosos tiveram o privilégio de estudar em Roma e lá ser ordenado. Se é verdade que o passado se repete, estamos na eminência de um revigorado surto de realizações para Sobral, enquanto Pinhel continuará a desafiar a persistência de seu prior.
Chegou nesta semana, (como eu) , a Sobral uma pessoa que ascendeu qual chama a esperança em toda a cidade e arredores. Um homem novo que transmite um quê de soberana-humildade, alguém que quando caminha , o faz com um misto de missão e dever, que não parece olhar para o todo mas para cada um. A pessoa que descrevo é o Bispo Coadjutor de Sobral D. Aldo di Cillo Pagotto, da Ordem do Santíssimo Sacramento , que tomou posse na Missa Solene de 12 de Dezembro na Catedral de Sobral.
Sobral muito tem que me lembre Pinhel, e sinto saudade, ( sempre soube que este sentimento é um reconhecimento inquestionável de amor ), as pessoas prontas para nos ajudar, atenciosas de um modo especial que chego a ver nelas alguns queridos amigos que aí deixei. Com certeza hei de encontrar, como D. Aldo, resistência, até mesmo inimizade e antipatias, mas é disto que é feita a humanidade, pequenas e grandes diferenças que são em fim os desafios que Deus põe em nossas trajectórias e com elas nos ajuda a tornarmos seres mais persistentes e revigorados na fé.
Na vida, cada um de nós tem uma missão como peregrino reconhecer, aceitar e realiza-la talvez seja a grande provação. O caminho é feito de momentos de partida que só não nos dilaceram porque há a benesse e a esperança na chegada.
A esperança, este sentimento sublime que nasce em cada um de nós, fruto da fé que revigorada no presente cria o amanhã. D. Aldo escolheu como seu lema “Unum Corpus + Unus Spiritus ” (Ef. 4,4) - (Há um só corpo um só espirito), ele teve o privilégio de assistir durante a cerimónia de sua posse, a força desta verdade, tão presente nas comunidades paleocristãs. Reunidas como um só corpo a Igreja ali presente viu todo o aparato de luzes e microfones ser substituído pelo silêncio e um banho intenso de luar. Um canto de Louvor a Deus espalhou-se como uma onda tornando ainda mais solene aquele acto que congregou na praça em frente a Sé de Sobral alguns milhares de fieis vindos das povoações mais distantes. A esperança nesta cidade não é uma ilusão, é um sentimento palpável que se materializa na vontade de ver momentos do passado serem superados pela realidade: como Pinhel, Sobral teve um passado glorioso que ainda está vivo na memória de muitos, testemunhado pelos casarios que se vêm por toda a parte. Sobral tem encontrado filhos, uns adoptivos outros não, que a têm feito crescer, movidos por uma sublime força de vontade e abnegação em prol de uma causa comum: a solidariedade para com o irmão.
Naquela praça, vendo e ouvindo as pessoas a minha volta neste momento tão diverso e tão comum, pensei em qual seria a minha missão, continuo com a pergunta, mas tive uma certeza, que este homem que chegou na mesma altura que eu, recebido com tanto júbilo e pompa tem uma tarefa árdua. Tal qual peregrino que em sua trajectória será contemplado pela bondade dos que o recebem, ele será exemplo e lição em cada um dos seus passos. Percebemos que há um tempo de buscar a Deus, há um milénio esta necessidade se realizou “cobrindo a terra com um manto branco de Igrejas”. Hoje só nos resta cobrir a terra com a luz que não se apaga.
Sobral, 15 de Dezembro de 1997.
Regina Celi Fonseca Raick

quinta-feira, 24 de junho de 2010

Espaços reais e de memória

A vida é feita de construções e desconstruções, muitas delas estão relacionadas a espaços e principalmente a referências imaginárias que a distância ou o descaso (a familiaridade extrema), tornam reais.
A fotografia deste cartão postal que julgo ter sido produzido em torno de 1920, é um desses casos. A referência que tenho é de que entre o grupo que se encontra no primeiro plano se encontra o meu avô ao lado dos seus amigos... aquí vemos a praça principal de Pinhel, uma cidade com história e tradição que contraditóriamente a tudo que se poderia esperar foi deixando-se abater pela modernidade e hoje se reduz a casarões fechados, lembranças e memórias ricas de cor e história que nos fazem sempre perguntar porque?, como?, mas de todas as perguntas possíveis a mais importante para mim é : o que fazer para renascer? ...
Muitas das futuras postagens serão feitas deste lugar, não mais esta paisagem mas esta é a paisagem no imaginário de muitos de nós que temos os nossos corações alí guardados...